Fui sócio por mais de 30 anos de uma agência de propaganda. Hoje atuo como consultor em gestão, sendo a maioria dos meus clientes ligados ao mercado de propaganda.
Faço parte de entidades do setor: Fenapro, ABAP, Sinapro, entre outras.
Tanto nessas entidades quanto no dia a dia com clientes, sou constantemente consultado sobre dúvidas a respeito de operações com agências de propaganda, principalmente quanto à parte fiscal e à base de cálculo para apuração de tributos, repasse, IRRF, entre outros assuntos.
Face a esses questionamentos e dúvidas, decidi escrever este artigo com o objetivo de apresentar toda a mecânica operacional que envolve uma agência, abordando especialmente as leis que respaldam as ações legais e contábeis.
Para um fácil entendimento do que escreverei, há a necessidade de uma didática básica. Portanto, peço desculpas àqueles que já dominam o tema.
Vamos lá:
As agências de propaganda existem no Brasil desde o início do século passado. Tanto que em 1937 já tínhamos a APP – Associação dos Profissionais de Propaganda, e, em 1949, surgiu a ABAP – Associação Brasileira das Agências de Propaganda. Ambas ativas até hoje.
No entanto, somente em 1965 é que foi criada a Lei n° 4.680/65, de 18 de julho. O regulamento dessa lei se deu pelo Decreto-lei n° 57.690/66, de 01 de fevereiro.
Transcrevo o Artigo 6° desse regulamento: Art. 6º – Agência de Propaganda é a pessôa jurídica especializada nos métodos, na arte e na técnica publicitários, que, através, de profissionais a seu serviço, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos Veículos de Divulgação, por ordem e conta de clientes anunciantes, com o objetivo de promover a venda de mercadorias, produtos e serviços, difundir idéias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições a que servem. Percebe-se, lendo o Artigo 6°, que a agência de propaganda talvez seja a única atividade a operar por ordem e conta (ou conta e ordem, como o leitor preferir), com responsabilidade total em todo o processo.
Na operação de uma agência, temos o que ficou denominado como um tripé:
O cliente/anunciante: bancos, indústrias, empresas de serviços, comércio etc.
Os veículos de divulgação: emissoras de TV, rádios, revistas, jornais, outdoors, sites, google etc.
Os fornecedores de produção: gráficas, produtoras de filmes, produtoras de trilhas sonoras etc.
Esse tripé, ou esses parceiros, participam no processo da seguinte forma:
A agência tem um cliente. Recebe dele um briefing sobre suas necessidades de comunicação, normalmente com um budget estimado para investir em propaganda.
A operação se inicia com a agência desenvolvendo a criação da chamada campanha publicitária.
Inicialmente são apenas ideias. Se o cliente aprova esse caminho criativo, a agência então faz o contato com os fornecedores de produção para a materialização das ideias.
Simultaneamente, a agência contata os veículos de divulgação, aos quais apresenta suas ideias de mídia. Por exemplo: periodicidade, quais veículos, quais programas ou meios.
A agência recebe os orçamentos desses fornecedores e veículos e os envia para o cliente para serem aprovados.
Esse contato e aprovações entre agência, veículos e fornecedores se dá por conta e ordem do cliente, que é o responsável pelo pagamento de todos os serviços contratados.
Simplificando tudo isso, e para entender a prática do dia a dia, temos o seguinte:
Vamos supor que o cliente tenha liberado uma verba de R$ 10 milhões para essa campanha e que a remuneração da agência seja de 17% sobre esse total.
O budget ficaria então hipoteticamente assim:
Remuneração da agência: R$ 1,7 milhão. Investimento em produção: R$ 2 milhões.
Investimento nos veículos de divulgação: R$ 6,3 milhões.
Total a ser investido: R$ 10 milhões.
Para facilitar o entendimento do que será dito a seguir, vamos considerar que esse valor foi ou será investido em um único mês.
Previamente autorizada pelo cliente, e por trabalhar por conta e ordem, a agência organiza e coordena toda a operação, contatando os envolvidos e autorizando cada um deles a executar a sua parte. Sempre por conta e ordem do cliente.
No final do mês, inicia-se o processo financeiro e contábil.
Cada parte envolvida emite suas faturas contra o cliente/anunciante em seu CNPJ e as envia para a agência.
Imaginar que a agência receba 10 faturas de veículos e 5 faturas de fornecedores de produção, totalizando os R$ 8,3 milhões já previamente aprovados pelo cliente.
A agência, de posse dessas faturas, prepara o faturamento para enviar ao cliente.
Ela emite então uma fatura pelo valor total de R$ 10 milhões, sendo R$ 8,3 milhões das 15 faturas emitidas em nome do cliente, o popular repasse, e mais R$ 1,7 milhão referente à sua remuneração. Deixa claro na fatura que sua receita própria é esse R$ 1,7 milhão, valor base para recolhimento de tributos. Envia então a fatura para o cliente pagá-la na data combinada.
Com o faturamento realizado, a contabilidade da agência fará os seguintes lançamentos:
No Ativo Circulante, na conta de clientes a receber: R$ 10 milhões.
No Passivo Circulante, na conta de fornecedores a pagar: R$ 8,3 milhões.
Na Conta de Resultados (DRE) a título de receitas auferidas: R$ 1,7 milhão.
Aqui é onde alguns contadores se atrapalham. Os R$ 8,3 milhões não circulam na Conta de Resultados (DRE), mas somente nas contas Ativo e Passivo Circulante. A razão? Esses R$ 8,3 milhões foram emitidos no CNPJ do cliente. Portanto, só transitam nas contas Ativo e Passivo, não na Conta de Resultados.
Em nenhuma hipótese esses R$ 8,3 milhões devem transitar pela Conta de Resultados.
Quando recebe esses R$ 10 milhões do cliente, a agência providencia o pagamento dos R$ 8,3 milhões e fica com o saldo de R$ 1,7 milhão, que é a sua remuneração.
A agência tem um segundo procedimento a fazer: a apuração dos tributos a recolher.
Esse é outro ponto que gera muitas dúvidas.
Vamos então esclarecer esse segundo passo:
A base de cálculo para todos os tributos (ISS, PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, Lucro Presumido) é a receita própria de R$ 1,7 milhão, conforme demonstrado acima.
Para apuração do ISS
Admitindo-se que seja no município de São Paulo, o fundamento legal da PMSP: PN n° 01/1978. Decreto 50.896/2009, Art. 47, Decreto 53.151/2012, IN 06, de 05/04/2018, e IN 08, de 23/05/2018.
Para apuração do PIS/Cofins
Fundamento legal: Lei 10.925/04, de 26/07/2004, Art. 13, Solução de Consulta 53, de 11/03/2019; SC 311, de 14/12/2012; e IN 1515/14, Art. 122.
Para apuração do IRPJ/CSLL se for optante do Simples Nacional
Fundamento legal: Nota Cosit 70, de 24/05/2016.
Como nem tudo são flores, deixei um item que vem dando muita dor de cabeça para o final.
Trata-se das retenções legais
Temos três situações:A primeira é a autorretenção, uma “jabuticaba” brasileira.
A agência recolhe 1,5% sobre o R$ 1,7 milhão pelo DARF no código 8045.
Essa autorretenção será compensada no imposto devido no fechamento da declaração de IRPJ.
Fundamento legal: IN 24/86, de 29/01/1986; Lei 7.450/85, de 23/12/1985, Art. 53,
IN123/92, de 23/11/1992; PNCST 7/86, de 02/04/1986, Nota Cosit 5, de 02/07/2013.
A segunda é a retenção de fonte daquelas agências que prestam serviços para o Governo Federal.
O órgão pagador faz a retenção de PIS/COFINS e IR. Nesses casos, a agência tem que informar ao agente pagador quais são os CNPJs que devem sofrer a retenção. A norma legal a respeito deixa bem claros os procedimentos necessários.
Fundamento legal: IN RFB 475/04, de 06/12/2004, Art. 16. IN 23/2001.
E a terceira é a retenção dos fornecedores de produção.
A agência, ao pagar esses fornecedores de produção que emitiram suas faturas em nome do cliente, deve ficar atenta e se certificar de que esse tipo de serviço exige retenção.
Essa retenção, se de fato exigida por lei, é a parte técnica mais difícil.
A agência recebeu um valor do cliente para pagar esses fornecedores.
A fatura do fornecedor está emitida no CNPJ do cliente.
A agência retém o valor, mas na hora de recolher o DARF vem o conflito: reteve por conta e ordem, ou seja, a princípio, é o cliente o responsável, mas se ele não fez a retenção, como ele vai recolher e informar à Receita? Recolher em nome da agência não pode, pois a fatura não está em seu nome. E então, o que fazer?
Esse assunto já foi amplamente discutido em Brasília. A manifestação final da Receita Federal é clara e sem chance de rediscussão: quem age primeiro é que deve reter e recolher. Portanto, a agência tem de reter e pagar o DARF. Pagar o DARF em nome do cliente é fácil, a informação à Receita é que é o problema.
Ao que parece, agora, com o novo EFD-Reinf, haverá um campo onde a agência poderá dar essa informação em nome do cliente, de forma que o fornecedor possa se creditar dessa retenção, coisa que não vem acontecendo em muitos casos.
Vamos ver:
Fundamento legal: Nota Cosit 5, de 02/07/2013.
Essa é, em tese, a forma operacional que entendo mais adequada, baseada nas legislações e operações atuais. Procedendo assim, a agência estará livre de risco tributário ou óbices da auditoria.
Para finalizar, informo que nem todas as agências operam nesse formato. Boa parte das pequenas e médias não praticam o que chamo de refaturamento ou repasse, como é mais conhecido. Elas emitem a fatura dos seus honorários e a enviam para o cliente. As faturas dos terceiros que elas recebem são encaminhadas ao cliente, mas não são incorporadas à fatura da agência. Ou seja, o cliente paga diretamente esses veículos e fornecedores. Com isso, boa parte do que foi dito aqui não tem consequências, ou não se aplica a essas agências.